sábado, março 04, 2006

De um instante para o outro

Aaaahhhhhhhhhhhh.....
Ao abrir os olhos, continuo ouvindo o grito. A imagem está fora de foco, e em instantes entendo que estou de costas no chão, vendo o céu e galhos de árvores, e – o que me impressiona até agora – ao mesmo tempo percebo que o grito que ouço é meu...
Já se passaram cinco dias desde o acidente, mas essa cena – cena mesmo, porque lembro como se fosse uma cena de filme – não sai da minha cabeça. Resolvi relatar para ver se melhora um pouco.
Domingo passado: levantamos atrasados, como sempre, correndo para escovar dentes, trocar de roupa e sair para o trabalho. Não houve tempo para tomar café, mas isso foi bom, depois. Saímos em cima da hora, ia chegar uns minutos atrasada, nada demais. Em algum ponto do trajeto percebo que ele me diz algo, não entendo, só consigo ver que uma moto se aproxima perigosamente. “Não, não, não... Pegou!!!” pensei, antes de um turbilhão negro e em seguida a cena descrita no inicio.
Depois disso, lembro como se tudo estivesse acontecendo com outra pessoa, como um filme...
Chorando, senti que minhas costas ardiam, olhei minhas mãos e desviei o olhar – não podia acreditar que aquelas mãos arrebentadas fossem minhas. Antes de me dar conta do que exatamente havia acontecido, procurei por ele, ao mesmo tempo em que repetia como um mantra em minha cabeça: “não se mexa, não se mexa...” Virando a cabeça ligeiramente, percebi que podia vê-lo, o que me desesperou, pois ele tentava insistentemente levantar, ao mesmo tempo em que perguntava por mim. Eu gritava que estava bem, para ele não se mexer, mas acredito que apenas gemi... Felizmente pessoas boas surgiram e impediram que ele se movesse.
Alguém surgiu no meu campo de visão, avisando que tudo estava bem, o Siate já vinha, minhas coisas que haviam se espalhado pelo chão já estavam novamente dentro da minha bolsa... Ele estava bem.
Estava agradecendo e chorando quando o socorro chegou, bem rápido, me examinaram – nada quebrado – e me colocaram na ambulância. Agradeci mais uma vez, e então afirmei que estava bem, enquanto ele urrava de dor durante o exame do socorrista. Pedi que, por favor, se acalmasse, pois ele me deixava ainda mais nervosa, quando estava usando todas as minhas forças para parecer bem.
Tudo que aconteceu no pronto socorro me pareceu muito rápido, lembro de muitas vertigens e náuseas (ainda bem que não tinha comido nada!) lembro de ter me preocupado que retirassem meu piercing no umbigo... (cada coisa que a gente pensa!). Então fui liberada, apenas escoriações e nove pontos na cabeça. Sim, estava de capacete, depois me disseram que o mesmo quebrou e provocou o corte.
Sabia já que ele estava pior que eu, mas nem imaginava quanto. No meu choque, pensei vagamente que ele provavelmente estava com uma perna quebrada e logo iria para casa... Infelizmente foi bem pior que isso, aparentemente o fêmur dele “entrou” na bacia, provocando várias fraturas... Resumindo sem detalhes: ele ainda fica no hospital por uns dez dias ou mais.
Eu estou em casa, já se passaram cinco dias. As escoriações estão cicatrizando, as tonturas e vertigens haviam melhorado bem, mas hoje me excedi (fui visitá-lo e fiquei muito tempo com ele) então elas voltaram. Mas já passaram de novo. Não sei bem o que esperar dos próximos dias e meses. Sei que vai ser barra, ele ficará praticamente inválido por algum tempo. Tenho medo, mas tenho outra coisa também: saudades. Sinto falta dele o tempo todo, me agonia saber que ele está lá, sozinho, com dor... horrível. Queria fazer mais, mas ainda nem estou bem... preciso ficar boa para poder ajudá-lo depois.
De tudo o que houve, só uma coisa ainda me preocupa e me assombra: não sinto cheiros mais... perdi o sentido do olfato completamente. O que traz como conseqüência a falta de paladar também...
Provavelmente é temporário, mas é apavorante um mundo sem cheiros...
É ótimo quando ele me avisa que está cheirando mal, pois não pode tomar banho...
É horrível quando abro o guarda roupa e vejo o terno dele, mas não posso sentir o perfume que sei que ainda está lá...
Pior ainda é não sentir gosto, apenas diferencio salgado, doce, azedo e amargo...
Mas é como dizem, dos males o menor: estamos vivos e nos recuperando. Desejem-nos saúde, amigos!
Obrigada!